segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Mais uma dose.



Espero o analista chamar, feito quem espera o garçom trazer o pedido. O divã é como uma xícara vazia, depende das minhas falas para ter alguma bebida. Amarga ou doce, não costumo adoçar. Ao longo das sessões, vou adquirindo intimidade no preparo dos chás, cafés ou deixo fermentando na tentativa deixar as doses no ponto em que o estômago ou a mente aguentem. Geralmente sou dispensada antes mesmo do último gole. Desse jeito, a sessão é sempre interrompida quando ainda está quente. Além de ter que preparar e pagar pela bebida, ainda tenho que ir embora sem tomar tudo. Por sempre deixar um pouco pra trás e ter que lidar com isso que fica lá, isso que se perde, isso que nunca vai ser exatamente do jeito que se espera, é que eu volto na próxima semana, não apenas para preparar novos drinks, mas para acertar as contas de quanto irei beber.

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Vou dar Bandeira

Acordei novamente (acho que despertei às 5 h por ouvir belos cantos, depois adormeci). Os passarinhos sumiram devido ao calor. Ficou somente aquele do canto bonito - imponente - alguém da biologia saberá identificar. Os outros, mais espertos, foram embora para Pasárgada. Esse passarinho parece-me tão feliz e permanece cantando tão belo, apesar dos quase 40 graus às 11 da matina, chega a ser assustador. A felicidade pode ser tão perturbadora ao ponto de fazer cantar além da conta! É preciso ter uma felicidade muito ignorante para continuar alegre quando ultrapassam-se as boas condições. Se fosse uma cigarra com aquela musiquinha enfadonha no sol a pino eu até entenderia, mas uma singela avezinha dotada de exuberante melodia, chega a ser desperdício de delicadeza. Não tenho dúvidas da primavera ser a estação mais encantadora do ano, não à toa, substantivo feminino, se aproxima mais das mulheres por suas extravagantes tempestividades. Vai do sorriso em flores à lágrimas em temporais. A primavera não dá explicações. Sabe que não será entendida, pressupõe o indizível da linguagem e, naturalmente, a incompletude das relações. Por isso faz pouco caso dos que passam do ponto. Quem se importa com o passarinho? Ela mesma é exagerada, cada um que se vire a adaptar. Não tenho o fôlego desse guerreiro, estou mais para os outros, toque de recolher. Não vivo de alegrias gratuitas, vou-me embora também.